Abel Pereira. Poeta, escritor.
Fundador da Academia de Letras de Ilhéus
Comigo, alguns de seus versos…
Mui atentamente, lí-os…
Existem neles dispersos,
Um somar de desafios.
E são eles em verdade,
Que nos ofuscam a vista
Refletindo a honestidade
Da confissao intimista.
Versos realmente belos…
À luz da meditação,
Vencendo íntimos duelos
Em pró da própria razão.
Nenhuma preocupação
No sentido de agradar…
Pôs de lado a convenção
Só pra consigo falar.
Por tudo seja benvinda
Nos versos tão otimistas
Se uma poesia tão linda
Nas lindezas intimistas.
Se “engavetados” estão
Vamos desengaveta-los
E sentir-lhes a emoção
Nos mais cantantes embalos.
Ilhéus, 7 de janeiro de 1992
Tica Simões
Literata, pesquisadora.
Um olhar sobre Imagens e sentimentos – poemas (des)engavetados e pinturas Surpreendente esse livro de Jane Hilda Mendonça Badaró, uma artista singular, nascida no Rio de Janeiro, mas com raízes fincadas em Ilhéus, no sul da Bahia, onde vive;
tem, portanto, a sua identidade calcada na terra grapiúna. Imagens e sentimentos – poemas (des)engavetados e pinturas, primorosamente publicado pela editora Mondrongo (2016), conquista o leitor por sua beleza plástica e o arrebata com uma poesia que fala de vida. Então, essas linguagens – a poemática e a pictórica – dialogam em simplicidade lírica, através de traços espontâneos e expressões existenciais e intimistas. A Nota da Autora, que abre o livro, refere a gênese do seu trabalho artístico, inicialmente literário, depois pictórico. Afinal, com emoção, Jane Hilda diz da motivação para a publicação do trabalho, incentivada que foi pelo poeta Abel Pereira. Assim, de forma original, para epígrafe do livro, toma o poema desse autor à sua obra poética. Como afirma, a arte que faz “é pura expressão, sentimento, reflexo de viagens interiores” (p. 9). Sobre o seu trabalho pictórico, declara-se autodidata. Em linguagens que harmoniosamente se complementam, Imagens e sentimentos – poemas (des)engavetados e pinturas é uma produção em sintonia com este novo milênio: sem apego a escolas ou a cânone. É um livro que se realiza em leveza, visibilidade, multiplicidade, rapidez, bem como preconizado por Ítalo Calvino (1988), nas suas propostas para a linguagem deste milênio. A visão romântica da artista – sempre em busca do original, do puro – remete ao conceito filosófico de Rousseau (sec XVIII), de homem natural. É um trabalho naïf, de cores vivas e alegres, como podemos apreciar ao longo do livro, que alterna suas páginas entre pinturas e poemas. Poesia! Destino é o título das primeiras expressões – linguagens dialogantes – abertura do corpus. Poema e pintura são síntese do olhar poético, temática do livro: destino. O poema sugere os possíveis vários focos sobre a existência, quando as palavras suscitam questionamentos sobre os rumos do humano, “na esteira do tempo” (p.14); a pintura (p.15) dá visibilidade ao seu caminho para as estrelas, para o infinito de luz… A seguir, o trabalho vai se apresentando, alternadamente, em pinturas e poemas que compõem núcleos semânticos, sempre linkados com o sentido do destino: a) seja pela reflexão interior, b) seja pela valorização identitária, c) seja pelo vínculo com a natureza, d) seja por temas relacionados às várias buscas impostas por um olhar sensível… Assim é que as pinturas, que seguem a essa abertura, sugerem os referidos núcleos. Águas Claras (p. 16) oferece um reflexo de imagem, que leva o observador ao mergulho interior. Mistério (p. 17) remete à natureza, à ancestralidade indígena. Agulha de Marear (p. 18), com a rosa dos ventos e a embarcação “rumo norte”, imprime e ideia de pessoas buscando os seus próprios rumos… Auto-retrato (p. 19) evidencia a postura da artista e o seu olhar intimista, buscador do infinito… Senão, vejamos: Sobre a reflexão interior, os poemas Silêncio Interior e Das Quatro Paredes de Mim dialogam com as pinturas quando, como diz o eu poético, “faz-me projetar ao Alto/ voar no firmamento/ por detrás das nuvens/ para além das estrelas/ e da lua/ onde o Infinito-Tempo é!” (p. 20). Afirma, em visão otimista, “Das quatro paredes de mim/ sei voar” (p.21). A pintura Mistério da Vida como que arremata essa série semântica, quando um “cordão umbilical” liga o ser entre a luz de estrelas e o útero (ou o planeta?) (p.22). Esse mergulho intimista ao tema destino se verticaliza através de Fuga, onde a pintura é reveladora das palavras do poema de mesmo título: “Meu caminho […] quem é você? […] é a sombra de mim!” (p.35). A ideia de parir, no sentido largo, presente no poema Prenhe, ultrapassa o ato da procriação e é, além disso, o gestar da natureza, dos pensamentos, do próprio tempo… “verdades em forma de poesia” (p.27). Esses sentidos múltiplos podem ser vistos nas pinturas Mãezinha do Céu, Liberdade e Templo do Arco Iris (pp.26, 28,29). Ápeiron (Infinito) reitera o pensar a existência, em questionamentos “sobre o ser/ e o vir-aser/ sobre a realidade/ e a imaginação” (p. 24); enquanto Melancolia (p.25) é mais intimista, em reflexão sobre os mistérios da vida e da produção poética, quando “diante da máquina de escrever/ sonolenta/ dedilhando teclas/esperando alguma coisa acontecer…” (p.25). Pinturas no foco desses poemas são muitas ao longo do livro: Tempo (94), Mandala da Sorte (p.110), Terceira Dimensão (p.114)… A questão identitária se faz presente através de várias nuances: uma remissão ao escritor grapiuna Jorge Amado, através dos quadros Capitães da Areia (p.23), Gabriela (p36), Amada Bahia de Jorge (p.39), Bahia de Todos os Santos (p.58), Menino Grapiúna II (p.64), O País do Carnaval II (p.95), Os Velhos Marinheiros (p.116), Tenda dos Milagres (p.122), Bataclan (p.128), Gabriela (p.129) e de clara homenagem ao casal, na pintura que fecha o livro: Casal Amado (p.130). Também temas locais remetem à identidade ilheense, seja pelo cacau, sua riqueza: Capicongo (p.107), Fartura (p.112); seja pelo patrimônio arquitetônico: Igrejinha (p.38), Cidade (p.120) ; seja pela questão étnica, como na pintura Afro-Brasileira (p. 125); ou pelos costumes e festividades: Noite de São João (p.48 ) como também no poema Fogueira de São João “e a fogueira pinta o céu/ que vai se estrelando…” (p.49). A natureza inspiradora é evidenciada em pinturas como Jardim das Flores (p.59), Ares de Verão (p.33). Exemplo é o poema Veio o Verso: “Chamei o verso /veio o mar/ cintilado pela lua/ pelo brilho das estrelas […] Veio o verso!” (p.31). Esse olhar para a natureza tem vários momentos e focos em pinturas sobre flores, águas, paisagens… Jardim Encantado (p. 115), Árvore do Amor (p. 118), Duas Rosas (p.121), Rosa (p. 123). Serena (p.30) ante a vida, a voz poética recorre, assim à natureza: seus mistérios, sua beleza. E, como diz, “simplesmente/vivo a vida…” (p.40), mesmo num “mundo torto […] com cabeças que não/ discernem/ o mal do bem…” (Mundo, p.41). Esse pensar do seguir a vida com serenidade e ligação com a natureza são traduzidas nas flores e águas, constantes no trabalho de Jane Hilda; outros exemplos são as pinturas Navegando, Paz, Pescador, Lilás, Reflexo e Preparo (pp. 42- 47). E o poema Trajetória é traço de destino, “no caminho/ rumo ao Sol/ onde mora a Luz!” (p. 119). Tais nuances relacionadas à natureza estão, também, em “os segredos da natureza/ para além do que os olhos podem ver…” (p.74). A pintura como Quando Gira o Sol (p. 87) é exemplar. Especialmente as rosas são reiteradas como em Fios de Luz (p.83), que dialoga com o poema “tantas borboletas se mostrando para a Flor” (p. 82), Gestação da Rosa (p.127); ou em imagens que se refletem na água Reflexo da Rosa (p.73); Transparência da água; ou Serenata pro mar: homenagem a Dorival Caymmi (p.81); Arco-Íris Velejante (p.124). E o mergulho na água é metafórico do mergulho intimista com diz o poema Mergulho n’Alma (p. 79). O lado místico, com um tom de panteísmo, pode ser percebido, notadamente nas pinturas Cósmica, Cores do sol, Divina natureza, Rosa encantada (p.50-53) , que dialogam com os -poemas Tempo Real e Leitura Cósmica, pois “É preciso/ Saber ouvir a voz/ do Tempo cósmico/ que revela mistérios/ e mostra caminhos…” (p.55), já que, como diz em Grão, “Cada grão/ que plantei/ uma flor desabrochou…” (p. 56). O olhar sobre o mistério da vida traz, nas pinturas, a riqueza das entidades das águas: Iemanjá (p.57), Rainha das Águas (p. 60), que dialogam com o poema do mesmo título, quando a Rainha das Águas é “mandala dourada que/ ilumina o céu” (p.61) e o caminhar da vida é em busca de paz, uma leitura possível da pintura Portal de Paz (p. 72). Procurando se entender, a poetisa admite em Substantivo Abstrato: “Meu coração não tem métrica/ não respeita a razão/ dos Homens/ nem a história…” (p.62). Assim, nesse permanente diálogo de linguagens, a prevalência é de luz e cor para as pinturas; e de chamadas de busca e paz para os poemas. As inquirições existenciais que perpassam todo o livro enfatizam a fugacidade e o Sentido da vida (p. 108 – 109), “tão sublime Criação!”. A pintura Cristalina (p.132) – rosa e luz, orvalho e brisa, movimentos da natureza em harmonia – fecha o livro em síntese de beleza; é o destino, já sinalizado desde o primeiro poema/pintura! Um trabalho lírico, alegre, de questionamento, esperança e crença na vida! Tica Simões Ilhéus, em dezembro de 2021.
Baísa Nora
Membro da Academia de Letras de Ilhéus, Professora Aposentada da UESC, foi Diretora da EDITUS Editora, escritora e Poeta
Falar sobre Jane Hilda Badaró é falar de gentileza, sensibilidade e talento. Ela é professora da UESC, é, ou foi, diretora de revista, militante da cultura, membro da Academia de Letras de Ilhéus, poeta e pintora. Quero falar dela como pintora, não porque eu entenda da arte, mas porque sou fã de sua pintura. Eu e muita gente mais, pois Jane, inclusive, já expôs em Paris, Portugal, na Alemanha, no Japão e muitas e muitas vezes no Brasil.
Uma exposição sua acabou de acontecer no Museu da Capitania, em Ilhéus, entre 21.09. e 29.10.2021, intitulada Jardim das Flores. Estive lá e fiquei impressionada com o que pude apreciar.
O que Jane revela em seus quadros? Que é espontânea, livre (nunca frequentou aulas de pintura, e Janete Badaró, sua mãe, a aconselhava, e ela também percebe assim, a continuar com esta liberdade, sem as amarras da pintura acadêmica, das convenções). Revela que tem um senso estético apurado, que faz uma abordagem poética, romântica, inclusive com uma certa ingenuidade. Jane gosta das cores vivas, variadas e as maneja muito bem. Ela usa com maestria os contrastes e o detalhamento. Revela, nos seus quadros, o seu interior, sua alma, e assim vai falando de simplicidade e de beleza.
É interessante perceber que, ao mesmo tempo que ela é uma mulher com uma certa majestade, nobreza, ela é simples e acessível. Para mim, não há contradição nenhuma nisto. Percebo que a elegância máxima traz mesmo a simplicidade e a delicadeza.
Sabemos que a obra de arte vale como investimento econômico, financeiro e vale por si mesma, pelos lugares e lembranças para onde nos remete, pelo que de melhor desperta em nós, ainda que possa trazer alguma tristeza, alguma nostalgia. E quem disse que é possível viver sem tristeza e nostalgia? Elas fazem parte de nós.
Esta nossa artista pode expressar, com suas pinturas, o que a palavra nem sempre consegue, e isto se refere a um sentimento que vem do âmago e do mistério de sua personalidade. Deixemos Jane Hilda falar, pois ela tem o que dizer e irá revelar uma bonita complexidade, uma densidade artística, pois ela é realmente um ser plural.
Aleilton Fonseca
Escritor
A ARTE DE JANE HILDA BADARÓ
A pintura de Jane Hilda Badaró mobiliza cores fortes e traços definidos em sua textura, constituindo os seus temas com grande acuidade lírica. Seus desenhos são representativos, alegóricos, relacionais. Com muita sensibilidade, a artista capta, através de suas técnicas, os traços mais profundos da nossa cultura, dialogando com o imaginário, a religiosidade, as paisagens, os mitos, a tradição oral e a literatura.
Sua obra prima pelo cuidado com os detalhes, nos quais os sentidos se acumulam para definir e ampliar o significado do motivo principal. O cuidado com a distribuição das cores na superfície do desenho garante uma harmonia de conjunto que fascina o observador, cativando-o pela diversidade de cores, cujas tonalidades fluem e confluem com beleza, poesia e plasticidade. São pinturas que narram, como se fossem sínteses visuais de histórias e poemas. É notável o esmero com que a artista trabalha os traços e as cores nas suas acrílicas sobre tela, panô ou papel. Os desenhos fluem com clareza e suavidade, e com uma grande capacidade de comunicação que envolve afetivamente o observador, convidando-o a entrar no universo representado, como se cada tela fosse uma fábula de cores e poesia. No uso da técnica mista óleo e acrílica, ou óleo sobre tela, notamos o mesmo vigor, a mesma expressividade nos traços, nas cores e nos detalhes. Já as aquarelas são sempre suaves e sugestivas. De fato, a pintura de Jane Hilda Badaró impressiona pela alegria, a nitidez dos temas e o vigor dos detalhes, sempre em perfeita harmonia com o todo. Em sua arte, a imaginação e os saberes se encontram e se associam, elaborando imagens pictóricas que nos tocam os olhos de modo singelo e cativante, sempre com um ar de mistério, sugestão e desafio. Sua arte é poesia plástica e delírio estético que nos encantam, com suas cores quentes, alegres e insinuantes.
Neuza Maria Kerner
Poeta e escritora
A ARTE QUE RELIGA
Ser artista é como uma espécie de dom que contém um chamamento quase que religioso. Digo “quase” porque fomos habituados a entender religião apenas uma instituição criada para explicar a presença do sol, da água, do trovão, do fogo, do ar e outros fenômenos da natureza nas nossas vidas.
Os seres humanos, desde a pré-história, transformaram em seus deuses esses elementos naturais. Em verdade, tudo o que nos faz reler a existência é uma religião; tudo o que nos religa ao universo é uma religião; tudo o que reelegemos é uma nova escolha de eleger o princípio que deve nos conectar uns com os outros e com tudo que nos rodeia. Tendo dito isso, posso afirmar que a Arte também é uma religião na medida em que nos religa, nos faz reler e reeleger a realidade como ponto de partida para explicar as cores do arco-íris sob o qual encontramos o pote de ouro da beleza.
É isto que Jane Hilda faz: religar-nos à simplicidade complexa da vida através do seu olhar poético e colorido nos seus trabalhos artísticos, fortemente marcados pelo simples e pelo belo. Nisso não há doutrinas e ritos, mas apenas a expressão do Eu que se manifesta em suas telas e textos. É a sua atividade criadora que a faz deusa da cor.
Com explicar a simplicidade complexa da vida senão pela arte? Basta que observemos a tela Encantamento onde se misturam estrelas e flores, céu e mar, coroa de semi lua que se faz cheia na cabeça da mulher que segura, com firmeza, a estrela nascente em Belém (Museu da Piedade, Ilhéus – BA). Basta que viajemos com um olhar puro sobre Templo do Arco Íris (Acervo de Denise Kruschewsky) que se derrama numa profusão de cores sobre uma terra que insiste em resistir bravamente apesar de nós, humanos predadores e fazedores também de destruições.
A Arte Primitiva Moderna – Naif – não precisou da complexidade das técnicas acadêmicas para se expressar em Jane. Espontânea igual à artista expõe a expressão mais profunda do seu Eu. É a alma simples, mas plena, que nos traduz a vida pelo coração. É o sentimento de inclusão participando da recriação, pois que nada e nenhum elemento é excluído nas representações da arte. É o sentimento do re-ligare (religioso) que mesmo que o escuro tente nos impedir a visão horizonte, as cores imperarão assim como no dia do faça-se a luz quando tudo explodiu em beleza. Deixamos de ser cegos e pudemos ver a poesia mágica na arte que não morrerá independentemente da teimosia dos que se recusam a ver a arte humana universal.
Os trabalhos apresentados em Imagens & Sentimentos – poemas desengavetados e pinturas – demonstram que um dom não pode ser engavetado. É dever do artista fazer a religação de todos os seres do universo. Isso Jane cumpre muito bem.
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